Há um processo em curso em Portugal para “abafar vozes incómodas”

O advogado Garcia Pereira, vencedor do Prémio Nelson Mandela deste ano da ProPública, diz que existe "um processo em curso” em Portugal para "abafar vozes incómodas” e entregar parte "do mercado" dos advogados portugueses a grandes multinacionais de auditoria.

© D.R

Uma ideia “que já vem de longe”, segundo o advogado especialista em direito do trabalho, que vê no prémio “uma responsabilidade e um incentivo”, para continuar no caminho que tem trilhado “de defesa dos mais fracos”.

“Há aqui [em Portugal] um processo, que já vem de longe, e que visa, por um lado, abafar e eliminar vozes que podem ser incómodas e desempenhar um papel insubstituível na defesa dos direitos dos cidadãos, e, por outro lado, (…) entregar uma importante fatia de mercado [dos advogados portugueses] (…) às grandes multinacionais de auditoria”, afirmou Garcia Pereira num entrevista à Lusa, pouco depois de receber a notícia de que era o vencedor da quarta edição do Prémio Nelson Mandela, da ProPública.

E aponta as últimas alterações legislativas, que mudam o estatuto da Ordem dos Advogados, como um grande passo para a prossecução daquele objetivo.

“Estas últimas alterações têm um objetivo muito claro que é terminar com a autonomia e o autogoverno na profissão (…) muitas vezes, com uma roupagem pseudo moderna de combate aos resquícios corporativistas (…)e, portanto, em nome da sacrossanta liberdade de iniciativa económica, designadamente”, acrescentou.

Para Garcia Pereira, quer por via da chamada interdisciplinaridade, quer por via da sujeição da fiscalização do exercício da profissão de advogado “a entidades a ela estranhas”, as últimas alterações legislativas, que entraram em vigor a um de abril último, representam “a perda da autonomia e da auto regulação da profissão”.

Por isso, acha que a manterem-se estas modificações legislativas, “a muito curto prazo”, isto significará “a destruição da maior parte dos escritórios de advocacia”, em Portugal. “Mesmo as grandes” empresas de advogados portuguesas que poderiam julgar que “estariam imunes a esse processo, estão completamente enganadas”, alertou.

Assim, conclui, que a partir do momento em que Portugal deixa de “ter advogados e as suas estruturas (…) organizativas autónomas, sem mecanismos de dependência económica ou de fiscalização jurídica sobre eles por parte de outros interesses, terminou a advocacia livre e independente em Portugal”.

Para o advogado, depois de Pires de Lima como Bastonário da Ordem dos Advogados não houve mais lideranças agregadoras. E a ordem, ao longo da sua história, desempenhou um “papel insubstituível nessa defesa dos direitos dos advogados”.

“Não quero ferir as suscetibilidades de ninguém, mas evidentemente que eu penso que depois do doutor António Pires de Lima, bastonário de cujo Conselho Geral eu tive a honra de fazer parte, nós nunca mais tivemos um líder da advocacia capaz de unir toda a classe em torno de objetivos concretos e de demonstrar a firmeza de levar esse combate até onde fosse necessário, em defesa dos princípios fundamentais”, afirmou.

Para Garcia Pereira, a classe profissional enfrenta dois fenómenos: “uma deliquescência da formação cívica, política e social das pessoas em geral e também dos juristas, designadamente advogados e, por outro lado, uma ausência de dirigentes à altura dos acontecimentos”.

Com 71 anos, António Garcia Pereira é mestre e doutor em Ciências Jurídicas, na área do Direito do Trabalho, pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, criando em 1999 a sua própria sociedade de Advogados – Garcia Pereira & Associados.

Em 2023, integrou a lista dos “10 Advogados de Trabalho Mais Influentes em Portugal”, pelo Business Today Lawyer Awards 2023.

Além de advogado, foi professor e político, tendo sido militante do MRPP, desde 1974, partido do qual saiu em 2015.

Últimas do País

O vento continua a condicionar hoje o movimento no Aeroporto Internacional da Madeira – Cristiano Ronaldo e nenhum avião conseguiu aterrar ou descolar, segundo a ANA- Aeroportos de Portugal.
O presidente do Governo da Madeira disse que já tinha combinado na sexta-feira com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, o envio de meios da Proteção Civil do continente para a região.
Familiares do preso político luso-venezuelano Williams Dávila, atualmente num hospital local, pediram ao Governo da Venezuela para não o enviar de novo para a cadeia, advertindo que estariam a condená-lo à morte.
A Madeira vai receber 80 elementos da Força Especial dos Bombeiros, que chegarão à região na próximas horas para ajudar no combate ao incêndio rural iniciado na quarta-feira e com várias frentes ativas, anunciou hoje o Governo Regional.
A Polícia Judiciária está a investigar as causas do incêndio que deflagrou na sexta-feira à tarde na zona industrial do Prior Velho e destruiu mais 200 viaturas, tendo as operações de rescaldo terminado pelas 02:00 desta madrugada.
A PSP recebeu, em menos de 10 anos, quase 3.000 denúncias relacionadas com abandono de animais de companhia e identificou mais de 1.200 suspeitos pelo mesmo crime, divulgou hoje, Dia Internacional do Animal Abandonado, esta polícia.
Cerca de 50 famílias estão hoje a receber apoio clínico, social e psicológico no Curral das Freiras, na Madeira, depois de esta noite terem sido retiradas das suas habitações devido ao incêndio que atinge a freguesia, indicou o Governo Regional.
Nove hospitais têm hoje 11 serviços de urgência encerrados, nas áreas de Pediatria, Ginecologia e Obstetrícia, segundo as Escalas de Urgência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Grande parte do interior Norte e Centro do país continuam hoje em risco máximo de incêndio, assim como os municípios algarvios de Monchique, Silves, Loulé, São Brás de Alportel e Tavira, indicou o IPMA.
Quase 5.900 doentes foram internados em casa no primeiro semestre do ano, mais 19,5% comparativamente ao mesmo período do ano passado, permitindo reduzir a demora média de internamento e aliviar os hospitais em 54.135 dias de internamento.